(a inutilidade da perfeição)
Fomos adultos antes do tempo.
Ontem senti a sua falta. Mais uma vez a sua falta. Estava uma menina brincando no jardim e eu quis te dizer que podia muito bem ser a nossa. A menina que nunca tivemos. Se tivéssemos arriscado teria sido assim, tenho certeza. Uma menina com a sua cara de anjo e essa cabeça linda. De mim herdaria a responsabilidade. Só espero que não herdasse o orgulho. O canalha do orgulho.
Há uma pessoa a mais num casal quando existe o orgulho a separá-lo.
Eu podia te ligar e te dizer que sim. Que você tinha razão. Tinha sempre razão. A dona da verdade. E tinha. A verdade é que tinha. E eu sempre neste braço de ferro em que ambos perdíamos. Em que ambos nos perdemos.
Há um casal que se dobra a cada braço de ferro que se faz.
Eu podia te falar das noites que nunca acabam. São sempre as noites, não é? De dia há pessoas, o emprego (a Joana da recepção fala todos os dias de você, quer saber como você está e eu só lhe digo que deve estar bem, está certamente bem, é pelo menos nisso que quero acreditar, ou talvez não, talvez quero acreditar que não está bem como eu não estou bem, como se pode estar bem quando se chega em casa e você não está?), a luz ainda vai ajudando a tapar a sombra que ficou em mim, depois alguém conta uma piada, outra revela um segredo, e a vida vai andando. Que ironia, não é? Eu, que nunca quis ir andando, que sempre recusei o que todos os outros tinham (“ai de nós se caímos na rotina, quando isso acontecer nos mate imediatamente, por favor”; e você matou, e você matou), me contentando com esse mais ou menos feliz, esse mais ou menos vivo.
Há um menos a mais em cada mais ou menos que se vive.
Mas depois chega a noite, como eu te dizia. A noite não passa. E se estende. Me ocupa. O médico me deu umas drogas quaisquer para aguentar. E mesmo assim você me entra pelos sonhos, fecho os olhos e você está lá, abro e está lá. Éramos tão felizes, não éramos? Me resta continuar, apenas isso. Acreditar que um dia você percebe que só nos faltou esquecer a maturidade.

Há razão a mais quando um casal se esquece de por vezes perder a razão.
Fomos adultos antes do tempo, crianças fingindo ser sérias, meninos brincando de casamento. E o orgulho. Já te falei nele? Vou te falar de novo. Vou te explicar outra vez. Basta que você atenda o telefone.
Só mais uma vez, vá!!!

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